Fundamentos da civilização

Este é um ensaio sobre crítica à civilização, criado para iniciar discussões sobre este assunto. Esta é uma versão revisada e atualizada do texto original, que foi publicado em 2004.


É possível que a tecnologia não tenha se espalhado inteiramente por adoção, que os caçadores-coletores foram exterminados ou deslocados pelo avanço do imperialismo agrícola? O registro sugere que, embora tenha ocorrido alguma adoção, em geral a agricultura se espalhou por meio do genocídio.

– Richard Manning, Against the Grain: How Agriculture Has Hijacked Civilization

Onde começa a história humana? Seria com a criação da agricultura no crescente fértil, que permitiu ao ser humano se estabelecer num lugar fixo, acumular excedente, criar a linguagem escrita, desenvolver a ciência e a tecnologia, criar cidades, estabelecer rotas comerciais e progredir em todos os sentidos? Ou seria o crescente fértil apenas uma parte da história humana? Seria, talvez, o começo de uma das histórias humanas, ou ainda, da história de um dos modos de vida humanos, de uma das culturas humanas? Este será o assunto central deste texto.

Vamos começar perguntando sobre o que começou no crescente fértil. O que é a agricultura? As pessoas sempre favoreceram o crescimento de plantas das quais se alimentam (MANNING, 2004). O que realmente foi introduzido com o advento da agricultura no crescente fértil, há cerca de 10 mil anos? Em primeiro lugar, o que surgiu ali não se espalhou pelo mundo pacificamente. Esta técnica de cultivo possibilitou acúmulo de excedente e expansão territorial de um modo nunca antes experimentado. Ela representa o começo da história de um povo que se espalhou pelo globo como nenhum outro. A história desse povo não é a história da humanidade, embora sua visão de mundo tenha se espalhado pelo planeta. Esta visão de mundo se opõe a tudo que existia antes. Nela, a natureza não é simples provedora da vida, ela é uma hostil carcereira de uma prisão que limita o potencial humano. Os criadores da agricultura queriam mais do que a vida natural tinha a oferecer, e estavam determinados a conquistar isso, custe o que custar…

Ao invés de uma dádiva da evolução ou do desenvolvimento técnico humano, a centralidade da agricultura é um atributo cultural de uma sociedade voltada à conquista e colonização. Ela está imbuída desse valor cultural desde seus fundamentos. Este não é o modo mais eficiente de incentivar o crescimento das plantas para a alimentação humana, como o determinismo agrário pregou (GOWDY, 1997). É na verdade muito mais trabalhoso e insalubre para a população, pois exige um controle rígido sobre a terra e os excedentes (MANNING, 2004; ZERZAN, 2005). Ela é muito diferente das técnicas de cultivo utilizadas pela maioria das culturas humanas. Por que esse modelo de uso da terra, que culmina na agricultura industrial, tomou conta do mundo? Todos os outros povos que dependeram desse grau de controle sobre a terra entraram em colapso (DIAMOND, 2017). O que possibilitou que esse modo de vida se espalhasse foi uma mitologia sobre a superioridade do modo de vida agrícola (MANICARDI, 2012). Este modo de vida estava focado no aumento rápido da produção, o que possibilitou um aumento exponencial da população e da concentração de poder, e reduziu a qualidade de vida das pessoas (LARSEN, 2002). Esta técnica agrária quebra uma regra de convivência que foi seguida por centenas de milhares de anos e cria um imperativo de crescimento com fim em si mesmo (MANICARDI, 2012). Com o passar do tempo, os outros modos de vida foram desaparecendo. O que aconteceu com eles?

Esta técnica de cultivo é a primeira técnica de controle violento sobre a natureza, e não por coincidência, surgiu ao mesmo tempo em que o patriarcado (MANICARDI, 2012). Este modo de vida foi construído em torno das técnicas de dominação da terra e da mulher. Além de exigir muito mais trabalho, isso exige uma organização social complexa e hierárquica, com crescente divisão de trabalho e dependência tecnológica (WRIGHT, 2007). A geometria, que significa medição de terra, era um requisito para aprender filosofia com Platão. Que povos poderiam desenvolver a geometria, senão aqueles com um modo de vida agrário? Ela foi criada para resolver problemas que só povos agricultores poderiam ter. Isso é suficiente para concluir que este modo de vida não compreendeu outros modos de vida como iguais, mas como menos racionais e menos desenvolvidos. Uma crença profunda na própria superioridade está na raiz desta cultura. Ela acredita ter um modo de vida superior, acha que todas as pessoas estariam vivendo melhor se vivessem desse modo (WRIGHT, 2007). Essa é uma crença estrutural, uma visão de mundo a qual todos os membros desta cultura estão comprometidos.

Na história desta cultura, a agricultura é identificada como o despertar do homem, e até meados do século XIX, todos os seus pensadores tinham como certeza indubitável que o homem é inseparável deste modo de vida, considerando a técnica agrária como simples desenvolvimento das técnicas humanas de sobrevivência. Eles tinham certeza que o homem nasceu para criar cidades e impérios, e que a evolução do homem estava intrinsecamente ligada a esse progresso. Que tudo isso era uma grande conquista humana. Esta crença cultural estava escondida na própria definição de ser humano: um animal político e racional. As fundações do pensamento civilizado foram criadas por pessoas que acreditavam que este homem (que tratava mulheres, escravos, animais e a terra como propriedade) era de fato superior aos brutos, incultos, selvagens e incivilizados bárbaros ou “homens das cavernas”. A cidade, não a floresta, seria o verdadeiro habitat humano. Para eles, fazia muito sentido pensar que o ser humano se torna humano com a criação da agricultura e tudo que somente ela possibilita. Até hoje essa crença é reproduzida em salas de aula, quando exaltamos a filosofia, a ciência, a escrita e a capacidade de construir enormes monumentos…

A ideia de que o ser humano evoluiu para colonizar a terra tem sido questionada (ZERZAN, 2005). Estudos nos permitiram afirmar que o ser humano não existe há apenas 10 mil anos, ele é muito, muito mais antigo (DIAMOND, 2017). Isto deveria ter mudado toda a concepção ocidental de história. Se o ser humano não surgiu já propenso a criar este modo de vida, o que ele estava fazendo este tempo todo? Para os teóricos principais da filosofia política, ele estava numa condição miserável. Ao invés de abalar a estrutura das concepções sobre o humano, os teóricos preferiram chamar sua própria história de “história da humanidade”, e o resto de “pré-história”. Os outros povos seriam coadjuvantes dessa história. Os fundamentos dessa cultura foram criados por pessoas que tinham uma concepção de história e de humanidade que hoje é considerada equivocada. Mas essas descobertas não mudaram radicalmente a concepção desse povo. Ele continua dizendo que sua história é a história da humanidade, embora não seja um representante mais fiel dessa história do que os povos que ainda resistem ao progresso, onde o genocídio e a colonização ainda não terminaram (WRIGHT, 2007).

Se a história desse povo não é a história da humanidade, é a história de QUEM? Em outras palavras, se esse povo não é a humanidade, quem ele é? Como chamá-lo? Que nome pode se referir a ele? Tem que haver um conceito capaz de desfazer o equívoco milenar que confundiu de modo etnocêntrico a história da humanidade com a história de uma cultura colonizadora. Não apenas a história desse povo é muito mais recente que a história da humanidade como um todo, como não está em plena continuidade com ela, não é um estágio mais avançado da história humana. A história do modo de vida agrário é apenas um capítulo dessa história. Ela pode, dependendo do critério, até mesmo ser considerada como a negação da história humana, já que não seguiu os mesmos princípios que todos os outros, e ainda assim se pretende universal. Se este modo de vida não apenas se diferencia, mas se opõe fundamentalmente a outros modos de vida, considerando-os inferiores, então seus pensadores basilares estavam extremamente errados ao afirmar que sua própria história representa o avanço universal da história humana. Este é o primeiro passo para entender a civilização enquanto problema.

Uma das propostas para resolver esse impasse é adotar o conceito de “civilização” de um ponto de vista crítico. O que autores como Zerzan e outros citados aqui sugerem é uma diferenciação entre a história da humanidade e a história da civilização. Civilização seria um termo geral para falar deste modo de vida que surge com o controle violento sobre a terra e a ideia de superioridade. Este conceito, com todas as suas controvérsias e ambiguidades, permanece relevante nas discussões da teoria crítica, sendo que hoje em dia é comum falar em “crítica à civilização”. É a partir desse conceito que vou desenvolver o resto do texto.

 A crítica à civilização

 A civilização se origina na conquista do exterior e na repressão em casa.

– Stanley Diamond, In Search of the Primitive: A Critique of Civilization

Quando se torna inegável que o desenvolvimento da sociedade civilizada não aponta exatamente para a melhoria da vida humana, os pensadores são pressionados a explicar o que deu errado. Eles procuraram respostas em diversas perspectivas históricas, culturais, sociais, filosóficas, econômicas, jurídicas, psicológicas e políticas. O que resta criticar, senão os próprios fundamentos da civilização? Os problemas sociais civilizados não tem origem na natureza humana, mas numa estrutura social que legitima certas relações de poder. Povos que não desenvolveram as mesmas instituições não desenvolvem os mesmos problemas. A civilização é considerada inevitável porque está fundada num mito de “destino manifesto”. Ela é processo histórico e também ideal normativo. Suas promessas não cumpridas são sempre explicadas colocando-se a culpa em outra coisa, e se renovam na crença de que deve ser possível chegar lá, porque o contrário seria “voltar para o mato”, e obviamente ninguém iria querer isso. Qualquer solução deve promover o progresso, nunca substituí-lo por outra coisa. Essa crença no progresso é a crença no controle da natureza por meio de uma organização racional que tem a civilização como fim. Tudo que não leva a civilização a se tornar mais civilizada é considerado errado por princípio.

Essa linha de raciocínio levada às últimas consequências afirma que o grande obstáculo que se coloca entre o homem civilizado e a realização de seu grandioso projeto é a própria vida natural. Não há caminho para o progresso da civilização senão por meio da colonização da natureza em nome do desenvolvimento técnico. Por isso a colonização e a domesticação (controle dos comportamentos) são necessárias para o desenvolvimento de qualquer grande civilização. Os fundamentos da civilização parecem tão inescapáveis que sugerir que podem ser um problema em si é rapidamente equiparado com uma misantropia ou um catastrofismo. A crítica à civilização é o tabu dos tabus, a maior das heresias intelectuais. Tudo pode ser criticado, menos a civilização. A crença na santidade da civilização é o maior dogma de todos.

Que outra linha de raciocínio poderia ser seguida? Problemas sociais existem em qualquer modo de vida, por que gastar tempo com uma crítica tão distante de qualquer resolução? Por que não apenas tentar fazer o possível para melhorar a vida das pessoas menos privilegiadas aqui e agora? Se há algum problema real com a civilização, por que não deixar isso para depois de resolvermos os problemas sociais mais urgentes? Estas são ótimas perguntas. Mas elas também podem representar uma reação de defesa. É verdade que antes de resolver os problemas mais profundos, é preciso resolver os mais urgentes. Porém, há situações em que o que parece mais urgente não pode ser realmente contido sem uma solução mais estrutural, menos paliativa. Se alguém está jogando crianças no rio para se afogarem, pular no rio para salvá-las é urgente, mas se ninguém lidar com a causa do problema, a pessoa que está jogando elas no rio, o problema não será resolvido.

Sabemos que o problema não está no ser humano em si, e sabemos que a estrutura econômica vigente é o principal pivô dos problemas sociais e ambientais atuais. Mas não podemos eliminar tão facilmente a hipótese de que a raiz dos problemas da sociedade moderna não é simplesmente o sistema econômico vigente (o capitalismo). O modo como a civilização foi organizada desde o crescente fértil tem suas próprias problemáticas. Será que os fundamentos da civilização foram examinados com a criticidade necessária, ou foram tomados como universais e verdadeiros pelo mesmo motivo que o patriarcado permaneceu basicamente inquestionado por tanto tempo? A crítica social dos principais pensadores da civilização foi tímida nesse aspecto, justamente porque se tratava de seus próprios privilégios. Algumas perguntas estão surgindo somente com as perspectivas antropológicas, decoloniais, feministas e anarquistas.

A civilização se tornou responsável por seu próprio suprimento de comida. Isto significa que ela se tornou responsável pela sua própria proliferação e limitação. Como assumir tamanha responsabilidade? Sua população cresceu tão extraordinariamente nos últimos séculos que a demografia chama isso de curva J. Isso não é um sinal de incrível sucesso evolutivo, mas sim uma evidência nítida de desequilíbrio ecológico. A curva J só é possível a partir da criação de um modo de vida baseado em agricultura civilizatória. Ela depende de controle violento da natureza, aumento compulsivo da produção e da eficiência, rapidez e complexidade do modo de vida e colonização de tudo que está ao redor… Estes são os fundamentos da civilização.

Superpopulação não é um mero problema de espaço ou quantidade de recursos. O aumento da população numa mesma área aumenta a complexidade social e as necessidades estruturais. Assim como em todas as populações, a população humana é limitada por diversos fatores ambientais e ecológicos. A população aumenta em função da produção de comida (HOPFENBERG; PIMENTEL, 2001). Quando a produção civilizada se estabilizará? Qual será o efeito de ocupar todo esse espaço na biomassa do planeta? É possível que a civilização se torne sustentável?

 Vivendo a partir de outros fundamentos

Quanto maior o impulso para o sofrimento existencial, maior a força aplicada pela civilização para se preservar. Fazendo com que percamos o rumo, dando-nos alvos enganosos, canalizando as melhores energias para a consolidação do status quo, desviando qualquer reconhecimento crítico. E quanto mais a civilização nos empurra para fora dos trilhos, mais insistentemente se recusa a reconhecer os sintomas do descontentamento que nos impõe.

– Enrico Manicardi, Free from Civilization: Notes Toward a Radical Critique of Civilization’s Foundations

Há milhares de anos, um grupo de seres humanos se livrou da provisão natural de comida que limitou todos os seus ancestrais, criando um modo de vida fundamentado na crença de superioridade e no controle. Este modo de vida precisa se expandir para continuar de pé e depende do avanço constante dos modos de produção. Este fundamento nos permite desenvolver tecnologias, mas também abre as comportas para uma acumulação de poder incontrolável. O problema nunca foi o ser humano, mas um modo de vida que não foi criado para humanos e sim para seres ideais e superiores. Possibilitar a expansão do poder humano é a função da civilização. Acreditar que este modo de vida deve ser perpetuado a qualquer custo e que não há nada que possa superá-lo ou substituí-lo é reproduzir sua mitologia básica.

Estes valores estão profundamente enraizados na mente de quem foi socializado na cultura civilizada. Devido à densidade desse assunto, é muito comum distorcer e tirar conclusões erradas sobre isso. Não afirmei que a humanidade destrói a Terra, que a agricultura ou a tecnologia é simplesmente ruim, que precisamos voltar para as cavernas, que outros povos vivem no paraíso ou coisa do tipo. O que eu afirmei é que este modo de vida está fundado numa crença de superioridade que não corresponde à realidade, e sim a uma visão mitológica. Exatamente por isso ele almeja tanto um paraíso, um lugar que se distingue da natureza. A agricultura civilizada é violenta e por isso insustentável. Não é uma questão de eficiência ecológica, mas de pressupostos como a propriedade sobre a terra e animais, seja ela coletiva ou privada. A civilização inaugura uma competição com a comunidade da vida, rejeitando a cooperação, negando-se a viver em comunidade com outras formas de vida. Os povos nativos ou sem Estado têm modos de vida mais próximos da natureza, mas não se trata de imitar seus modos de vida, e sim de recuperar aquilo que perdemos. O problema não está na natureza humana nem apenas no sistema econômico dominante. O problema está nos fundamentos desse modo de vida. Mudá-los é uma tarefa incrivelmente difícil, mas possível. As referências usadas neste texto indicam algumas alternativas.

O objetivo desse texto é provocar diálogos sobre o assunto. Caso essas ideias tenham chamado sua atenção ou tenha críticas, dúvidas, comentários, algo a adicionar ou um problema a discutir, entre em contato. O debate está aberto. Vamos conversar.

A civilização é um experimento, um modo de vida muito recente na história humana, e tem o hábito de caminhar para o que estou chamando de armadilhas do progresso. Uma pequena aldeia em boa terra ao lado de um rio é uma boa ideia; mas quando a aldeia cresce para uma cidade e pavimenta a terra boa, torna-se uma má ideia. Embora a prevenção possa ter sido fácil, uma cura pode ser impossível: uma cidade não é facilmente movida.

– Ronald Wright, Breve história do progresso

Referências:

DIAMOND, Stanley. In search of the primitive: A critique of civilization. Routledge, 2017.

GOWDY, John (Ed.). Limited wants, unlimited means: A reader on hunter-gatherer economics and the environment. Island Press, 1997.

HOPFENBERG, Russell; PIMENTEL, David. Human population numbers as a function of food supply. Environment, development and sustainability, v. 3, n. 1, p. 1-15, 2001.

LARSEN, Clark Spencer. Skeletons in our closet: revealing our past through bioarchaeology. Princeton University Press, 2002.

MANICARDI, Enrico. Free from Civilization: Notes Toward a Radical Critique of Civilization’s Foundations. Green Anarchy Press, 2012.

MANNING, Richard. Against the grain: how agriculture has hijacked civilization. Macmillan, 2004.

WRIGHT, Ronald. Breve história do progresso. Editora Record, 2007.

ZERZAN, John (Ed.). Against civilization: readings and reflections. Feral House, 2005.

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29 Responses to Fundamentos da civilização

  1. Anônimo says:

    “Este é um lugar aberto ao debate e toda crítica sincera é bem-vinda.”

    Desculpa aí. Escrevi o texto mais massa, mas comecei a viajar e apaguei. Não foi por isso que eu pedi desculpas. Isso é crítico pra mim. A sinceridade é o covil dos poetas. Tem muita gente morrendo por lá.

  2. Anônimo says:

    É o primeiro anarquista que eu conheço que não tem consciência política. Ou se tem, põe ela em segundo plano. Qual é a posição política da SUA crítica à civilização? Até onde eu sei, pode ser até a favor do Holocausto, porque honestamente, eu não sei.

    • contraciv says:

      Eu me pergunto de onde vem toda essa dúvida, porque várias pessoas leem, me dão feedback, e nenhuma delas acha que eu seria a favor do holocausto. Parece um mecanismo de defesa, me parece que você lê a crítica, se é que lê, com um julgamento pré-condicionado, esperando ver fascismo ali a qualquer momento, em qualquer termo meio ambíguo.Eu não reconheço a legitimidade da sua crítica. Recebo várias críticas legítimas e que me ajudaram a mudar de ideia e construir melhor meus argumentos. Mas o que te permite dizer que eu não tenho “consciência política”? O que é consciência política pra você? Dependendo do que for, não só eu como diversos anarquistas podem discordar.

      Você tá cobrando carteirinha de politizado no anônimo por que? Até onde eu sei você pode ser qualquer coisa também, pode ter todo tipo de intenção ruim aqui. Eu nem sei quem é você. Você acha que alguém vai realmente levar a sério uma conversa nessas condições?

    • Anônimo says:

      Estou anônimo pra você julgar o conteúdo do meu texto e não a minha pessoa. É o que eu faço com você. Expressão política vai muito além do contato pessoal, está além do sorriso ou do abraço, ou do aperto de mão cordial, porém falso, que muitos políticos praticam naturalmente. Eu não te conheço pessoalmente. É muito fácil julgar positivamente o trabalho de alguém com carisma. Pra ser crítico de fato é preciso colocar esse tipo de coisa de lado. Se você não quer levar isso a sério, o problema é seu. Pero no es muy democratico.

    • contraciv says:

      “Estou anônimo pra você julgar o conteúdo do meu texto e não a minha pessoa.”

      Isso cabe a qualquer texto e não justifica anonimidade. Comentário anônimo é aviso de hostilidade e proteção contra consequências do que você, como pessoa, fala. Você não é um texto, não é neutro, você fala de um lugar, como toda pessoa. Quando esconde o endereço, quer passar aparência de uma neutralidade que não existe. Está fazendo um mal uso do recurso. A possibilidade de comentar em anônimo é para segurança de ativistas. Você tá usando pra se proteger enquanto faz acusações pessoais. Repudio sua atitude e a considero covarde. Dizer que crítica pessoal no anônimo é democrático é um absurdo.

    • Anônimo says:

      Acredite, colega. Não é por covardia. E o fato de você considerar uma crítica à teoria como ataques pessoais já me dá uma boa razão. Talvez eu tenha me exaltado ao te chamar de anarquista entre aspas, de fato foi uma provocação desnecessária, por isso pedi desculpas na mensagem seguinte.

    • contraciv says:

      Você conhece a teoria que pretende criticar? Se sua crítica é à teoria, atenha-se ao texto. A dúvida sobre posição política da crítica à civilização é válida. Mas ela está respondida no https://contraciv.noblogs.org/sobre/

      Desculpas aceitas, não me sinto ofendido. Só não vejo a relevância da acusação, dado tudo que já foi publicado sobre o assunto.

    • Anônimo says:

      Não acredito que essa resposta é válida, por isso a minha crítica.

    • contraciv says:

      Por que não é válida? Fique à vontade para explicar seu ponto de vista.

  3. Anônimo says:

    A sua crítica pessoal não se resume à civilização. Aliás, essa crítica à civilização não é nem sua. Já vi você, várias vezes, usando essa crítica pra diminuir a relevância de movimentos sociais anticapitalistas, dizendo que são secundários por serem insuficientes, e isso sem sequer mencionar a questão partidária. Como uma ação política pode ser secundária à uma crítica conceitual? Esse foi o seu erro. Reconheça ou não ad libitum.

    Por outro lado, nunca vi ninguém usar movimentos sociais pra deslegitimar a crítica a civilização. Honestamente não consigo nem imaginar um argumento lógico pra fundamentar esse tipo de crítica. Novamente, como alguém que sequer tem poder sobre o modo de produção que garante sua subsistência consegue optar por um modo de vida diferente? “Vamos mudar o Brasil”!? Adubo pra fascista.

    “Nenhum? Ué, qual a esperança então?”

    A esperança é marginal, “anarquista”.

    • contraciv says:

      É difícil entender uma crítica tão pessoal e específica vinda de um autor anônimo. Existe a possibilidade de você ter entendido mal o que eu disse ou realmente resta a mim somente reconhecer o que você tá dizendo? Que critério ofereceremos às pessoas lendo essa conversa pública para que elas verifiquem o que está sendo dito?

      Eu me lembro de uma discussão, muitos anos atrás, sobre o Navio de Tolos do Ted Kaczynski, um autor que realmente diminui a relevância dos movimentos sociais, mas que também rejeita o anarco-primitivismo. No começo eu ainda não tinha conhecimento suficiente pra fazer uma crítica, mas hoje eu tenho.

      É importante lembrar que existem vários tipos de crítica à civilização, e vários tipos de autores criticando a civilização. Alguns deles tem uma postura bastante questionável quanto aos movimentos sociais. Eu admito que em certo momento eu reproduzi o discurso desses autores sem a devida crítica. Isso pode ter gerado essa sua interpretação do que eu penso. Mas faz uns bons anos que eu compreendi isso.

      A crítica à civilização é “deslegitimada” por princípio pela perspectiva política tradicional, que nega a insustentabilidade da sociedade de massas, por exemplo. Nunca houve um problema com a civilização em si para os grandes pensadores das teorias políticas atuais. Se não havia um problema, a crítica à civilização é um absurdo, e essa é a reação da maioria das pessoas ao ouvir essa expressão: é um absurdo em si, como ser contra a vida em sociedade. De fato civilização como sinônimo de sociedade é um significado comum do termo, mesmo entre acadêmicos.

      A sua pergunta continua sendo capciosa porque ela poderia ser feita a qualquer outra perspectiva política. Como alguém que sequer tem poder sobre o modo de produção que garante sua subsistência consegue optar por ser menos machista, ou ser menos racista, ou criticar o capitalismo? Em tempos de avanço do fascismo é muito comum se desesperar pela situação e buscar culpados em todo lugar. Tudo que é diferente do que eu penso parece adubo pra fascista, tudo que não está indo na raiz do problema como eu o compreendendo está beneficiando o inimigo… Esse tipo de paranoia não ajuda, mas atrapalha os movimentos que você quer defender.

      Ninguém aqui está dando adubo pra fascista. Tudo que desmobiliza pode ser acusado de estar beneficiando fascistas. Porém como vamos criar movimentos com diversidade de perspectivas se ficarmos acusando sempre os outros de estarem cooperando com o inimigo? Acusações levianas desse tipo também desmobilizam. Quer focar em algo efetivo, chame pra ação. Seja propositiva. Quando o PT me chama pra pintar uma escola, eu vou. Com toda crítica ao PT, mas vou.

      Você tá organizando uma ação mais efetiva do que criar zines anarquistas que discutem crítica à civilização? Ótimo, chama a gente. Vir aqui chamar de “adubo pra fascista” é uma péssima forma de conseguir mais apoio.

    • Anônimo says:

      Não é uma crítica leviana. Não é simplesmente a desmobilização que fomenta o fascismo. Ele também precisa de uma base conceitual, precisa de um inimigo pra se justificar. Se a sua crítica não tem fundamento político então pode ser usada por qualquer posição, inclusive a dos fascistas. Eles podem por exemplo justificar o desmantelamento de instituições públicas como forma de impedir o avanço da civilização. Podem atacar tribos indígenas com a justificativa de que eles estão muito civilizados. Enfim… pelo menos você fez um ensaio de reconhecimento de erro.

      Não entendo a semelhança entre escolher não ser machista, que é algo de que, se se tem ciência, está diretamente sob seu poder, e escolher viver de uma forma mais respeitosa com a natureza, que independente da consciência de todos os males provocados pela civilização, pra ser feita, ainda depende da articulação da conjuntura social que só pode ser feita através de movimentos políticos.

    • contraciv says:

      Sim, toda crítica sem um fundamento político pode ser usada para beneficiar a posição dominante. Acontece que algumas posições políticas são tão dogmáticas que só consideram como legitimamente político aquilo que se enquadra na sua própria doutrina. Isso se agrava com avanço do fascismo, porque as pessoas tendem a se agarrar ainda mais ao que entendem por familiar. Em tempos de muita confiança, a esquerda ousou se abrir para o feminismo, por exemplo, sendo que antes a crítica ao patriarcado era considerada também algo sem fundamento político, que relativizava o recorte de classes. As feministas precisaram ensinar a esquerda que o pessoal também é político. Em tempos de crise política, porém, vemos um retrocesso para políticas ortodoxas, dogmáticas e autoritárias, mesmo dentro da esquerda. É nesse contexto que se agravam as acusações aos movimentos anarquistas, considerados minoritários e irrelevantes, e dentro destes, às vertentes ainda mais minoritárias do anarquismo, que por algum motivo começam a se organizar com mais expressividade. É o caso da eco-anarquia anticivilização.

      A crítica à civilização é uma pauta filosófica sem grande expressividade dentro de um contexto eco-anarquista, que se insere no movimento histórico do anarquismo, e que por sua vez se insere na história da crítica ao capital e ao estado. Não há falta de critica às posturas machistas, racistas, autoritárias, liberais, conservadoras, fascistas e moralistas nos nossos grupos e produções. Se a crítica à civilização não tem fundamento político, me responda uma coisa: a crítica ao patriarcado, na sua opinião, tem fundamento político ou ela também serve de adubo para fascista?

      O que outros podem fazer com uma crítica não significa nada, pois a rigor, qualquer crítica pode ser usada para justificar coisas equivocadas. Teoria do valor de Marx pode ser usada de modo machista, por exemplo. Questão de classes pode ser usada para justificar abuso contra mulheres negras. Não existe nenhuma crítica que, em si mesma, não possa ser distorcida e usada para fins opressivos ou conformistas. Do mesmo modo que marxistas precisam se posicionar ativamente contra o patriarcado e feministas precisam se posicionar ativamente contra o capitalismo, críticos da civilização precisam se posicionar ativamente contra a privatização e políticas neo-liberais, e eu acredito que tenho feito isso desde sempre.

      Que tem primitivismo nazista, liberal, masculinista e tudo mais nesse mundo, nós sabemos disso muito bem. Há versões tóxicas de todas as posições políticas. Por isso a autocrítica é imprescindível. O que faltou você indicar aqui é onde essa autocrítica estaria falhando no meu caso. O você diz tem fundo de verdade, porém não tem aplicabilidade neste caso. O erro de que você está me acusando é acusável em simplesmente todos. Ninguém está isento de reconhecer como suas ideias podem ser mal usadas.

      Do ponto de vista da teoria feminista, o machismo é estrutural. Não é uma questão moral do indivíduo, não se refere simplesmente ao modo como ele trata as mulheres. A socialização de homens e mulheres é machista, ambos precisam reavaliar uma visão de mundo, e na medida que o fazem, assumem uma posição política que encontra resistência na sociedade patriarcal, ou seja, ao fazer isso se tornam inimigas do status quo, e isso afeta materialmente suas vidas. Do mesmo modo, não basta ter ciência que a civilização está destruindo o habitat humano e achar que um discurso de “vamos preservar a natureza” vai ser suficiente. A ecologia convencional não assume o conflito entre civilização e natureza, como parte da esquerda não assume o conflito entre homem e mulher numa sociedade patriarcal. Nós temos que começar pelo básico: assumir o conflito. A partir disso as ações vão se delinear, como as ações feministas anti-capitalistas se delinearam a partir da percepção de um conflito que não é só de classes econômicas. Todo mundo reproduz machismo se ainda não compreende o que é o patriarcado. A nossa tarefa aqui é explicitar o que é a civilização. O que fazer a respeito disso é outro assunto, mas ele depende do primeiro passo. Se você tem consciência que a civilização está tornando a vida humana inviável, mas diz que nada pode ser feito a respeito, essa é uma interpretação pessimista sua. Você está afirmando que as coisas só podem mudar por meio dos movimentos políticos, e que a crítica à civilização rejeita os movimentos políticos. Isso é uma afirmação que exige evidências. A crítica à civilização não rejeita os movimentos políticos, mas os questiona assim como o feminismo os questionou. Movimentos em que se falava muito contra o capital, mas se fazia vista grossa sobre a violência do militante de esquerda contra sua esposa na privacidade do lar não são coerentes. Do mesmo modo, movimentos com um discurso anticapitalista que não questionam as atrocidades da civilização, e chegam até a exaltar o suposto “progresso” do ocidente, que seria impossível sem a colonização, o saque e a escravidão, não estão sendo coerentes. Os movimentos políticos precisam estar sempre em mudança para manter sua coerência diante de questionamentos que só tem como surgir a posteriori. A resistência a esse questionamento é reacionária, por mais que se pretenda justificada pelo fim revolucionário. Mesmo em momentos de crise, o critério não pode ser o fim justificar os meios.

      Se eu proponho esse diálogo com os movimentos políticos com os quais convivo e dos quais participo, é porque acredito que a crítica à civilização tem sim algo a contribuir com esses movimentos. A questão decolonial tem demonstrado isso de modo bastante evidente. O mesmo que chamamos de civilização, outros tem chamado de colonização. Se a sua crítica cabe aqui, ela cabe a muitos outros anarquistas que estão criticando a colonização e buscando referências decoloniais de luta contra o capitalismo e o estado, muitas dessas referências são acusadas também de serem politicamente indefinidas.

    • Anônimo says:

      O feminismo é essencialmente político. Quando você sugere que o feminismo pode ser neutro politicamente eu não sinto nenhuma vontade de continuar essa discussão porque demonstra absoluta ausência de consciência política. Política diz respeito a forma como uma sociedade se mobiliza. A caça as bruxas por exemplo, era uma forma de repressão política.

      Não é possível usar Marx para defender o fascismo, porque Marx trata de uma posição política antagônica ao fascismo. É possível usar o feminismo superficialmente em favor do capitalismo, mas não é possível fundamentar o capitalismo no feminismo, porque o feminismo trata de igualdade social. Por outro lado, é possível usar a crítica à civilização pra fundamentar o fascismo, porque essa não é uma crítica política, não diz respeito à forma como a sociedade se organiza politicamente. Pra associar essa crítica ao anarquismo é preciso que ela tenha fundamento político. Por exemplo, como, especificamente, a civilização mina a igualdade social do anarquismo? Como a sociedade deve se mobilizar pra desarticular essa desestruturação da igualdade promovida pela civilização? Isso é ter sentido político.

    • contraciv says:

      Não tem como continuar essa conversa sem compreender o conceito de política que você está usando. Se está usando o conceito num sentido amplo, no qual mesmo o conflito presente no primeiro contato entre povos originários e colonizadores pode ser considerado político, ou num sentido estrito, no qual política é uma atividade que se encontra limitada a um grupo de pessoas, os representantes políticos, e do qual o resto da população se encontra alienada. Enfim, está falando de política como relação de poder ou política institucional? Essa política concerne somente aos habitantes da “polis”, dentro de uma estrutura organizacional reconhecida como válida de acordo com determinados critérios institucionais?

      No sentido estrito, levou milênios para conceder a participação das mulheres na política. No sentido amplo, a luta delas sempre foi política. O que eu afirmei é que a crítica ao patriarcado é política no sentido amplo do termo, mas foi acusada de não ser política com os mesmos argumentos que você tem usado para dizer que anticiv não é política, ou seja, com um conceito estrito, que restringe a política a certos critérios de legitimação. Os povos originários fazem crítica à civilização desde sempre. No sentido amplo, a crítica deles é política, mesmo quando não se organizam no modelo que nós definimos de “movimento político”.

      Dizer que esta crítica nega os movimentos políticos implica em certas afirmações que flertam com o racismo, como por exemplo dizer que o modo de vida de povos nativos nega a vida em sociedade. A anticiv joga uma outra luz naquilo que é tomado como óbvio sobre a civilização, mostrando a naturalização de algo que deveria ser criticado. Em nenhum momento eu sugeri que feminismo é neutro. Você está partindo do pressuposto que anticiv é politicamente neutro por questionar certas coisas que não são questionadas na maioria dos movimentos políticos hoje. O que estou dizendo é o mesmo foi dito do feminismo, e ainda é dito por alguns.

      A caça às bruxas é uma forma de repressão política, mas no entender de quem as estava caçando, era uma mera defesa da racionalidade e da organização social sadia. Você pode estar fazendo uma caça às bruxas sem perceber, ao deslegitimar a luta de povos originários. Para afirmar que anticiv é neutro, é preciso fazer melhor do que usar um conceito de política hora num sentido estrito, hora num sentido amplo, de acordo com sua conveniência.

      “Não é possível usar Marx para defender o fascismo, porque Marx trata de uma posição política antagônica ao fascismo.”

      Agora você está forçando. O que você quer dizer é que não é possível usar Marx “de verdade”, porque citar Marx de modo superficial sempre é possível. Não é porque você define uma coisa como antagônica a outra que ela não pode ser usada de modo incoerente e contraditório para reafirmar o que ela deveria atacar. Os anarco-capitalistas tem uma crítica ao estado, por exemplo. Dizer que não são anarquistas de verdade não impede eles de acharem que são anarquistas. Nem sempre a distinção entre “usar X superficialmente” e “fundamentar Y em X” é facilmente reconhecida.

      Tudo que você está falando depende de que sua afirmação, “a crítica à civilização não é política”, seja verdadeira. Até que você demonstre isso, sua acusação é vazia. Dizer que anticiv não diz respeito à forma como a sociedade se organiza politicamente não é suficiente para demonstrar isso, porque ao dizer isso você está considerando apenas o fato de que a anticiv questiona um determinado tipo de organização social que é tomado como único possível ou único válido no discurso civilizacional. Anticiv não é sobre o modo como devemos nos organizar para criar uma civilização melhor, e isso tem sido definido como legitimamente político pelos grandes teóricos. Mas isso não significa que eles estejam certos, assim como estavam errados sobre as mulheres, os negros e os gays. Anticiv, como toda crítica radical, não tem como começar senão enquanto política no sentido amplo, não no sentido estrito. Só quando a sociedade começar a perceber que a civilização é um problema real algo pode começar a mudar. O feminismo e o anti-racismo mudaram nosso conceito de política. O anarquismo anticiv aponta para outra mudança. A política precisa ser descivilizada assim como descolonizada, despatriarcalizada e desembranquecida. A crítica anarquista em geral também não diz respeito exatamente à organização política no sentido de criar leis melhores ou eleger representantes melhores, ela também desafia o conceito usual de política.

      Se você restringe “política” a algo civilizado, logicamente oporá a anticiv à política. Se você reconhece que política não é só o que ocorre em partidos ou movimentos organizados numa estrutura hierarquizada e representativa, não faz sentido sua acusação. Mesmo anarquistas que se recusam a votar ou cooperar com movimentos de massa, que usam o povo como massa de manobra de estratégias políticas institucionais que esse mesmo povo mal compreende, são políticos. Se você reconhece isso, não faz sentido dizer que anticiv não é político. Só faz sentido quando você fecha o conceito de política de modo conveniente.

      “Como, especificamente, a civilização mina a igualdade social do anarquismo?”. Isso foi respondido em textos como “Contra a sociedade de massas”. A civilização exige um modo de organização que é necessariamente hierárquico e representativo. A proposta anarquista de uma sociedade de massas com igualdade social é inviável porque se fundamenta no uso de alguma tecnologia que permita decisões coletivas feitas por milhares de pessoas ao mesmo tempo. Essa tecnologia por sua vez também depende de uma relação hierárquica com relação a outros seres vivos, já que não pode ser produzida sem violência contra a natureza, sem uso de trabalho humano barato ou máquinas que substituem o trabalho humano e que podem ser facilmente apropriadas por uma tecnocracia ou gerar uma série de outros problemas piores. Não que a ideia de uma sociedade de massas anarquista esteja definitivamente fora de questão. Mas assim como a teoria crítica, a anticiv coloca sérias dúvidas na possibilidade de uso responsável de tamanho poder técnico. Este empreendimento parece repetir erros do passado, e nisso refletimos também a preocupação de povos indígenas sobre a húbris civilizada e sua mania de pisar pesado na terra.

      “Como a sociedade deve se mobilizar pra desarticular essa desestruturação da igualdade promovida pela civilização? Isso é ter sentido político.”

      Isso é dito em diversos textos. Especialmente no “Anarquia anti-civilização”, que faz diversas relações entre a crítica anarquista e a anticiv, na questão da crítica ao crescimento urbano desordenado, agroecologia e porque participar dos movimentos pela educação, contra o machismo, o fascismo e o racismo. A crítica de que falta sentido político sempre vai retornar, enquanto aquilo que estamos criticando (que chamamos de civilização) não for de fato problematizado, ou for considerado uma questão pouco importante. O avanço dos estudos sobre impactos climáticos e questões decoloniais apontam, porém, que a tendência é que essa crítica se torne cada vez mais importante.

    • Anônimo says:

      Brother, para de tentar se colocar como parte dos “povos originários”. Não dá nem tesão de continuar lendo quando eu vejo uma merda dessas. Você é civilizado. A crítica à civilização mesmo dentro do seu malabarismo retórico é no máximo antropológica. Não tem como ela ser política sem um fundamento que discorra a civilização em nosso contexto social. Leia isso de novo, porque é importante: Não tem como ela ser política sem um fundamento que discorra a civilização em nosso contexto social. Os povos nativos TALVEZ tenham seus meios de lutar politicamente contra a civilização, mas não é através dessa crítica específica… E digo talvez porque eu não tenho conhecimento suficiente pra afirmar isso. Do nosso ponto de vista isso é uma questão antropológica, e muito complexa.
      Enfim, acho que eu estava correto quando disse que não ia conseguir continuar essa discussão. Eu parei de ler no “forçando a barra” e “Marx de verdade”. Boa sorte aí. Você é fera, e você é o seu pior inimigo.

    • contraciv says:

      Caro Anônimo, não entendo qual a contribuição que você quer dar com seu comentário. Levar em consideração o que povos nativos estão dizendo não é o mesmo que se colocar como parte deles ou de falar por eles. Pelo contrário, o que lideranças indígenas tem dito é que nós, brancos, precisamos sim ouvir e repensar nossos conceitos a partir dessa audição, e a crítica à civilização é um exercício disso. Não faz o menor sentido esperar que essa crítica só venha de não-civilizados. Acho que você poderia pautar sua crítica um pouco mais pela coerência e não só pelo tesão ou aparência. Você não respondeu nada do que eu perguntei nem indicou nada do que seria necessário para termos um debate sério. É muito fácil chamar de “malabarismo retórico” tudo que você discorda. Sem apresentar um argumento sólido, sua crítica é vazia. Não tem o menor sentido dizer que meu argumento é “no máximo antropológico” e que não tem como ser político sem “discorrer a civilização no nosso contexto social”. Não tem como eu compreender o que você quer dizer com isso. O que está chamando de civilização e de contexto social? Pois, do meu ponto de vista, a civilização também é nosso contexto social. Eu não entendo o que você está me pedindo pra fazer. Se você ainda tem dúvidas de que a luta dos povos nativos é política, eu diria que você não tem conhecimento suficiente sequer para fazer a crítica que pretende fazer aqui. Você parece estar tentando deslegitimar uma teoria crítica civilizada pela mera distinção entre ela e a luta concreta de povos nativos. Isso seria como deslegitimar que um homem estude feminismo ou que um branco estude sobre diáspora negra ou decolonialidade. Não faz o menor sentido dizer que não é política só porque é antropológica e sim, muito complexa. Você ainda não me deu nenhum motivo objetivo pelo qual não seria política.

      Já que você se permite a intimidade de falar de modo hostil, eu vou me permitir dizer que, sinceramente, creio que você não consegue continuar essa discussão porque não tem embasamento suficiente pra isso. Não está em condições de fazer essa crítica, ou pelo menos não demonstrou estar até agora.

    • Anônimo says:

      “Não tem o menor sentido dizer que meu argumento é “no máximo antropológico” e que não tem como ser político sem “discorrer a civilização no nosso contexto social”. Não tem como eu compreender o que você quer dizer com isso. O que está chamando de civilização e de contexto social? Pois, do meu ponto de vista, a civilização também é nosso contexto social.”

      Você precisa ressignificar tudo pra conseguir fazer sentido. Qual é o Marx de verdade e o qual é o de mentira? Isso é o que eu chamo de malabarismo retórico. Não tenho energia pra isso, colega. Não tenho esse tesão que você tem em questionar pontos e vírgulas. Sinto muito se eu te ofendo. Não vamos perder mais do nosso precioso tempo.

    • contraciv says:

      Sou eu que preciso ressignificar tudo para conseguir fazer sentido, ou você que se nega a compreender meu ponto de vista? Sua crítica até agora partiu do pressuposto que “anticiv não é política” e não demonstrou isso. Seu critério para dizer o que é político ainda não foi explicitado. Seu argumento central foi que a anticiv não aponta para ações concretas e pode ser usada para defender posições fascistas. Eu respondi dizendo que o mesmo pode ser dito de basicamente qualquer crítica. As pessoas também podem usar Marx para defender ideias fascistas. O ponto não era sobre Marx. Era que você exige coisas da anticiv que seria absurdo exigir de outras perspectivas. Sua crítica é seletiva, você aplica um peso diferente quando fala de anticiv, e não justifica isso. Pois eu poderia igualmente dizer que é impossível criticar a civilização e não criticar o fascismo, que é uma forma de poder autoritária totalmente civilizada. Isso não significa que pessoas não possam distorcer uma perspectiva para que ela se encaixe num objetivo ideológico. Você afirmou o seguinte:

      “Já vi você, várias vezes, usando essa crítica pra diminuir a relevância de movimentos sociais anticapitalistas, dizendo que são secundários por serem insuficientes”. “Como uma ação política pode ser secundária à uma crítica conceitual?”. “Por outro lado, nunca vi ninguém usar movimentos sociais pra deslegitimar a crítica a civilização”. “Novamente, como alguém que sequer tem poder sobre o modo de produção que garante sua subsistência consegue optar por um modo de vida diferente? “Vamos mudar o Brasil”!? Adubo pra fascista”.

      Do ponto de vista da crítica à civilização, a crítica convencional ao capitalismo é necessariamente insuficiente ENQUANTO crítica à civilização, isso é lógico. Do mesmo modo que o feminismo em si é insuficiente enquanto crítica ao capitalismo ou a crítica ao capitalismo em si é insuficiente enquanto crítica ao patriarcado. Se você analisar cada perspectiva só pelo X que ela se foca em criticar, ela sempre será insuficiente para criticar o resto. Não quer dizer que não seja importante criticar X ou que Y é mais importante que X. Perguntar qual dessas críticas é a mais importante deixa de fazer sentido quando se entende que uma não existe sem a outra. Elas não estão competindo pelo mesmo terreno, elas coexistem.

      A crítica à civilização não diminui a relevância dos movimentos sociais anticapitalistas, e eu sempre afirmei a importância de se criticar o capitalismo. Eu nunca disse que seria mais importante fazer uma critica ao conceito de civilização do que conhecer a crítica marxista, por exemplo, mas sim que é importante não deixar de fazer essa crítica. E sim, a maioria das pessoas ignora essa crítica porque nossa cultura eurocentrada considerou a civilização como a conquista mais importante da humanidade, e nossos grande teóricos não questionaram isso, não tinham como questionar isso no século XIX.

      Minha crítica à civilização jamais esteve separada da luta anticapitalista. Justamente as pessoas que tem menos poder sobre o modo de produção (os indígenas que estão sendo mortos por ruralistas, por exemplo), são as que melhor compreendem a crítica à civilização. Você faz um espantalho que prega uma crítica inviável a um conceito abstrato para pessoas que estão ocupadas com a subsistência concreta. Chama de malabarismo retórico aquilo que não se encaixa na sua expectativa teórica. Mas ignora que a civilização é uma realidade concreta, não somente um conceito. A luta contra essa realidade concreta sempre existiu. Nós estamos construindo teorias com base nessas lutas do mesmo modo que marxistas fazem em relação ao capitalismo. Porém alguns marxistas ainda preferem depreciar do que dialogar. Percebemos que a anticiv é um alvo fácil para marxistas dogmáticos, que também gostam de atacar anarquistas, feministas, anti-racistas, LGBTs e defensores da libertação animal. Você não me ofende, mas sua crítica não oferece nenhuma perspectiva. Você prefere acusar outras perspectivas de serem meramente retóricas do que compreender os limites da sua própria retórica. É um desserviço a todos, mas um obstáculo que já nos acostumamos a lidar, e que todo mundo que pretende fazer uma crítica fora da perspectiva convencional precisa aprender a lidar.

  4. Anônimo says:

    Aliás, me desculpe esse comentário e se quiser não precisa nem publicar, mas a sua crítica parece boiar por cima da realidade política, mudando com a maré. Me parece muito conveniente dizer sempre que no final das contas tudo se resume à civilização pra questionar movimentos políticos e não assumir nenhuma postura firme em relação ao status quo. Talvez você deva desculpas pra uma galera aí.

    • contraciv says:

      Este é um lugar aberto ao debate e toda crítica sincera é bem-vinda. Você diz que minha crítica parece boiar por cima da realidade política, mudando com a maré. Que realidade política é essa, como você a acessa? Que tipo de crítica se aprofunda na realidade e se mantém constante, sem mudar com a maré, na sua visão? Fique à vontade para indicar fontes.

      Me parece muito conveniente também desprezar a crítica à civilização como se ela servisse apenas pra “questionar” os movimentos sociais e não tivesse uma postura firme contra o status quo. Por que a crítica à civilização questionaria justamente os movimentos sociais ou afrouxaria a postura contra o status quo? Se eu devo desculpas a alguém, me resta ainda saber qual foi meu erro.

      Eu acho capciosa a afirmação de que tudo se “resume” à civilização, porque ela pressupõe que a crítica à civilização substitui ou rejeita outras críticas sociais, o que não é verdade. Seria igualmente injusto dizer que o feminismo resume tudo ao patriarcado, embora ele se foque no patriarcado e este esteja realmente misturado com todas as questões sociais da nossa sociedade. Aliás, os mesmos argumentos que são usados hoje para deslegitimar a crítica à civilização foram, e ainda são, usados para deslegitimar a crítica ao patriarcado. Essa reação é esperada, é o incômodo gerado por qualquer tipo de crítica. Isso vai mudar com o tempo, na medida em que se torne mais evidente a importância de levar em consideração TAMBÉM (e não somente, como está sugerido na sua fala) as questões civilizacionais. Essa tendência nos parece tão inevitável quando a decolonialidade.

    • contraciv says:

      No mais, acho estranho a acusação de que a crítica muda com a maré, sendo que esse texto, por exemplo, é de 2004. Acho estranho a acusação de que não há uma postura firme contra o status quo se nos baseamos nos principais críticos da sociedade capitalista, tanto os marxistas quanto os anarquistas. Acho estranho dizer que “questionamos” os movimentos sociais se nós participamos deles.

  5. Anônimo says:

    “O mesmo poder que o trabalhador comum tem sobre o modo de produção civilizado.”

    Ou seja, nenhum.

    “Em nenhum momento se questiona o movimento dos trabalhadores sem terra e sua luta pela subsistência.”

    Em nenhum momento nesse texto talvez, mas já vi você questionar ferozmente, por isso a confusão. Pode não ser o suficiente, mas é pelo menos um ponto de partida, algo que a sua crítica não indica.

    • contraciv says:

      Nenhum? Ué, qual a esperança então?

      Questionar ferozmente o que? Quando foi que eu fui contra as ações dos trabalhadores sem terra? O que eu questiono, junto com muitos outros anarquistas, é a cooptação do movimento por partidos que não se engajam de fato na luta contra o capitalismo.

  6. Anônimo says:

    Gostaria de saber que tipo de poder o cidadão comum tem sobre o modo de produção pra sequer considerar escolher sobre cooperar com outras formas de vida. Vindo de um cara que questiona movimentos como o dos Sem-Terra que tenta retomar o poder sobre a própria subsistência, fica ainda mais confuso. O foco do problema ambiental obviamente não é esse.

    • contraciv says:

      O mesmo poder que o trabalhador comum tem sobre o modo de produção civilizado. O fato é que a agricultura industrial é insustentável, e toda forma de vida baseada nela não pode, logicamente, ser viável. Em nenhum momento se questiona o movimento dos trabalhadores sem terra e sua luta pela subsistência. Ocupar latifúndios e promover a agricultura familiar sustentável é totalmente coerente com a eco-anarquia, e nós apoiamos essas lutas assim como as lutas indígenas pela preservação de áreas que hoje são invadidas por ruralistas. Mas apenas ocupar terras improdutivas sem atacar as bases materiais do capitalismo e do imperialismo civilizatório não é suficiente.

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